quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

"Cozinhar é Amor em ação"





A gastronomia tem um poder gigantesco, e tem alterado a sociedade desde que o mundo é mundo. Tem o poder de educar, de expressar uma cultura, tem impacto político.

Quando temos família, especialmente quando há filhos pequenos, ensinamos através dos poros, pelo cheiro, pelo sabor, pelo gesto na cozinha – mais do que aquilo que dizemos. Ensinamos também através daquilo que trazemos para casa, e através do que lhes permitimos consumir.

No papel de pais, educadores, cidadãos, é importante tomar consciência das nossas decisões quando vamos às compras, porque ir às compras é já, em si mesmo, uma decisão política. Eu posso escolher quem beneficio com o meu poder de compra, onde vou comprar, quais são os meus princípios, e quem quero «tocar» com a minha escolha, a quem quero dar o meu poder.

E para isto não somos geralmente educados.
Nas escolas não há aulas de culinária (o que é uma pena...!) e as refeições são muitas vezes de baixa qualidade (tanto ao nível da confecção como da própria qualidade dos alimentos, sobretudo quando as refeições nem são preparadas na escola mas sim por empresas externas).
As escolas que servem comida fresca e boa, estão a educar de uma forma. As escolas que servem comida má e sem sabor, estão a educar de outra forma. A mesma «política» serve para casa.

Entre comer comida má e sem sabor, ou comer fast food que está cheia de sabor, quem prefere a primeira? Comparando com algo muito mau, é algo que pelo menos é saboroso (os adolescentes então que o digam!). Com isto, o que pretendo transmitir é que, para conseguirmos mudar o comportamento de consumo de uma sociedade, é necessário que a sociedade esteja mais bem-educada. E este comportamento prende-se com coisas simples: com comida simples e saborosa, preparada com alimentos de qualidade, com gosto, e de forma consciente.
Quando conhecemos comida digna – ou melhor, quando o nosso paladar conhece comida «de verdade», com gosto – é difícil mudar o paladar e preferir a comida ultraprocessada.

                     

Qual é o problema dos produtos ultraprocessados?
Em primeiro lugar, importa entender a diferença entre produtos processados e ultraprocessados. Muitos produtos são processados, como é o caso dos queijos, das massas, da manteiga. Já os produtos ultraprocessados são aqueles que, quando olhamos para o rótulo, não entendemos o que são os ingredientes, ou não entendemos a que é que a maioria desses ingredientes se refere. Contêm inúmeros aditivos, controladores de texturas, corantes, quantidades exacerbadas de açúcar ou sal, etc. Não só não são necessários para o nosso organismo como são perigosos.
O perigo destes produtos está na relação com doenças como cancro, obesidade, acidentes cardio-vasculares, e outras doenças menos «sérias» como cáries e alterações como celulite (já visível em crianças, atualmente).

Como é que isto se relaciona com a política de um país?
Ora, se o Estado incluísse os custos de saúde nos produtos ultraprocessados, estes certamente teriam valores muito superiores. Dito de outra forma: o que não pagamos hoje, vamos pagar amanhã. E como não vivemos isolados, a nossa família fica afetada, as famílias dos nossos vizinhos e colegas ficam afetadas, e por aí vai. Imagine-se à escala de um país, o quão isso pode afetar o nosso dia a dia e o próprio rumo das nossas vidas.

Muitos de nós não sabem que podem escolher. Compramos porque é o que existe mais perto, compramos porque é o que há, e compramos porque não sabemos verdadeiramente o que estamos a comprar. Fazemos o melhor que sabemos no momento em que estamos.
Agora...o facto é que, na maioria das vezes, temos o poder de decidir. Posso até decidir não pensar nisso. Não deixa de ser uma escolha.

Como mãe de uma criança pequena, estando sozinha com ele, não é fácil organizar-me para garantir que leva para a escola um almoço e lanches nutritivos, saborosos e de que gosta. Para não falar de ainda cozinhar o jantar, lavar a loiça, pô-lo na cama, etc.
E, claro, gerir o marketing arrebatador que existe por todo o lado, e o facto de a maioria dos seus colegas levar outros tipos de lanche.
As estratégias que por agora estou a adotar, perante a realidade que tenho atualmente, passam por:
  • planear refeições fáceis, nutritivas e saborosas
  • fazer a lista de compras, para que as tentações consumistas sejam mais reduzidas 
  • ir às compras à mercearia ou ao mercado, onde posso escolher cada fruta e verdura, onde peço ao meu filho para observar e escolher as  frutas que mais gosta, e onde podemos cheirar os alimentos.
  • convidar o meu filho para cozinhar comigo, preparando os alimentos
  • escolher um dia da semana em que preparo a maioria das refeições e congelo uma parte
  • preparar lanches que são doces sem terem açúcar (queques que levam 20min a fazer, por exemplo, sandes de pão de centeio que foi feito em casa por um amigo)
  • não me culpar tanto quando algo não está perfeito como desejava
  • permitir que uma vez por semana ele coma doces
Por não querer ser fundamentalista, e por ser realista (sabemos que “o fruto proibido é o mais apetecido” e no fim das contas as proibições acabam por ter um efeito ainda mais nefasto), eu permito sem peso que o meu filho coma coisas que geralmente não come, uma vez por semana. E quando calha ter folgas ao fim de semana, adoro preparar um brunch com panquecas, queijo, frutos secos, geleia, manteiga de amendoim, cacau, abacate e outras frutas, sumo de laranja, e tudo o que nos apeteça. E faço-o com verdadeiro amor. Ao entrar na cozinha, quando começo a preparar uma refeição, fico cada vez mais consciente da sorte que é poder preparar refeições para nós. Poder ter tantas cores e sabores no prato, e certamente não é às custas de alimentos economicamente inacessíveis ou horas sem fim na cozinha.


Entretanto...há quem goste de cozinhar, há quem só goste de comer.
Nem toda a gente tem de saber ou gostar de cozinhar. No entanto, cozinhar é uma forma de (se) cuidar. Como alguém disse, «cozinhar é amor em ação».
Não temos de cozinhar todos os dias, não temos de saber cozinhar tudo, e tão pouco temos de cozinhar pratos complexos. Importa que sejam nutritivos e saborosos.
Como escreveu Fernando Teixeira de Andrade..."Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

Em Amor...
Com Alma, Corpo e Mente.

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