A
gastronomia tem um poder gigantesco, e tem alterado a sociedade desde
que o mundo é mundo. Tem o poder de educar, de expressar uma
cultura, tem impacto político.
Quando
temos família, especialmente quando há filhos pequenos, ensinamos
através dos poros, pelo cheiro, pelo sabor, pelo gesto na cozinha –
mais do que aquilo que dizemos. Ensinamos também através daquilo
que trazemos para casa, e através do que lhes permitimos consumir.
No
papel de pais, educadores, cidadãos, é importante tomar consciência
das nossas decisões quando vamos às compras, porque ir às compras
é já, em si mesmo, uma decisão política. Eu posso escolher quem
beneficio com o meu poder de compra, onde vou comprar, quais são os
meus princípios, e quem quero «tocar» com a minha escolha, a quem
quero dar o meu poder.
E
para isto não somos geralmente educados.
Nas
escolas não há aulas de culinária (o que é uma pena...!) e as
refeições são muitas vezes de baixa qualidade (tanto ao nível da confecção
como da própria qualidade dos alimentos, sobretudo quando as
refeições nem são preparadas na escola mas sim por empresas
externas).
As
escolas que servem comida fresca e boa, estão a educar de uma forma.
As escolas que servem comida má e sem sabor, estão a educar de
outra forma. A mesma «política» serve para casa.
Entre
comer comida má e sem sabor, ou comer fast food que está cheia de
sabor, quem prefere a primeira? Comparando com algo muito mau, é
algo que pelo menos é saboroso (os adolescentes então que o digam!). Com isto, o que pretendo transmitir
é que, para conseguirmos mudar o comportamento de consumo de uma
sociedade, é necessário que a sociedade esteja mais bem-educada. E
este comportamento prende-se com coisas simples: com comida simples e
saborosa, preparada com alimentos de qualidade, com gosto, e de forma
consciente.
Quando
conhecemos comida digna – ou melhor, quando o nosso paladar conhece
comida «de verdade», com gosto – é difícil mudar o paladar e
preferir a comida ultraprocessada.
Qual
é o problema dos produtos ultraprocessados?
Em
primeiro lugar, importa entender a diferença entre produtos
processados e ultraprocessados. Muitos produtos são processados,
como é o caso dos queijos, das massas, da manteiga. Já os produtos
ultraprocessados
são aqueles que, quando olhamos para o rótulo, não entendemos o
que são os ingredientes, ou não entendemos a que é que a maioria
desses ingredientes se refere. Contêm inúmeros aditivos,
controladores de texturas, corantes, quantidades exacerbadas de
açúcar ou sal, etc. Não só não são necessários para o nosso
organismo como são perigosos.
O
perigo destes produtos está na relação com doenças como cancro,
obesidade, acidentes cardio-vasculares, e outras doenças menos
«sérias» como cáries e alterações como celulite (já visível
em crianças, atualmente).
Como
é que isto se relaciona com a política de um país?
Ora,
se o Estado incluísse os custos de saúde nos produtos
ultraprocessados, estes certamente teriam valores muito superiores.
Dito de outra forma: o que não pagamos hoje, vamos pagar amanhã. E
como não vivemos isolados, a nossa família fica afetada, as
famílias dos nossos vizinhos e colegas ficam afetadas, e por aí
vai. Imagine-se à escala de um país, o quão isso pode afetar o
nosso dia a dia e o próprio rumo das nossas vidas.
Muitos
de nós não sabem que podem escolher. Compramos porque é o que
existe mais perto, compramos porque é o que há, e compramos porque
não sabemos verdadeiramente o que estamos a comprar. Fazemos o melhor que sabemos no momento em que estamos.
Agora...o
facto é que, na maioria das vezes, temos o poder de decidir. Posso
até decidir não pensar nisso. Não deixa de ser uma escolha.
Como
mãe de uma criança pequena, estando sozinha com ele, não é fácil
organizar-me para garantir que leva para a escola um almoço e
lanches nutritivos, saborosos e de que gosta. Para não falar de
ainda cozinhar o jantar, lavar a loiça, pô-lo na cama, etc.
E,
claro, gerir o marketing arrebatador que existe por todo o lado, e o
facto de a maioria dos seus colegas levar outros tipos de lanche.
As
estratégias que por agora estou a adotar, perante a realidade que
tenho atualmente, passam por:
- planear refeições fáceis, nutritivas e saborosas
- fazer a lista de compras, para que as tentações consumistas sejam mais reduzidas
- ir às compras à mercearia ou ao mercado, onde posso escolher cada fruta e verdura, onde peço ao meu filho para observar e escolher as frutas que mais gosta, e onde podemos cheirar os alimentos.
- convidar o meu filho para cozinhar comigo, preparando os alimentos
- escolher um dia da semana em que preparo a maioria das refeições e congelo uma parte
- preparar lanches que são doces sem terem açúcar (queques que levam 20min a fazer, por exemplo, sandes de pão de centeio que foi feito em casa por um amigo)
- não me culpar tanto quando algo não está perfeito como desejava
- permitir que uma vez por semana ele coma doces
Por
não querer ser fundamentalista, e por ser realista (sabemos que “o
fruto proibido é o mais apetecido” e no fim das contas as
proibições acabam por ter um efeito ainda mais nefasto), eu permito
sem peso que o meu filho coma coisas que geralmente não come, uma
vez por semana. E quando calha ter folgas ao fim de semana, adoro
preparar um brunch com panquecas, queijo, frutos secos, geleia,
manteiga de amendoim, cacau, abacate e outras frutas, sumo de
laranja, e tudo o que nos apeteça. E faço-o com verdadeiro amor. Ao
entrar na cozinha, quando começo a preparar uma refeição, fico
cada vez mais consciente da sorte que é poder preparar refeições
para nós. Poder ter tantas cores e sabores no prato, e certamente
não é às custas de alimentos economicamente inacessíveis ou horas sem fim na
cozinha.
Entretanto...há
quem goste de cozinhar, há quem só goste de comer.
Nem
toda a gente tem de saber ou gostar de cozinhar. No entanto, cozinhar
é uma forma de (se) cuidar. Como alguém disse, «cozinhar é amor
em ação».
Não
temos de cozinhar todos os dias, não temos de saber cozinhar tudo, e tão pouco temos de cozinhar pratos
complexos. Importa que sejam nutritivos e saborosos.
Como
escreveu Fernando Teixeira de Andrade..."Há
um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a
forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam
sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não
ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós
mesmos."
Em
Amor...
Com
Alma, Corpo e Mente.
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