quarta-feira, 30 de maio de 2018

Solidariedade feminina versus maledicência

Em Março celebra-se o dia da Mulher e todos lembramos as diferenças de género e as conquistas que as Mulheres fizeram, e que ainda têm que fazer.

Muito se fala de feminismo e do feminino, circulos femininos, encontros de mulheres empreendedoras, enfim uma série de actividades e iniciativas que aproximam as mulheres umas das outras.
Nos vários circulos de mulheres que hoje se realizam, e eu tenho realizado e participado em alguns, sinto que cada mulher reencontra ou descobre o feminino em si, nas suas várias vertentes e arquétipos. Estes encontros são altamente curadores das várias dores do feminino, quer em relação ao masculino, quer em relação às suas próprias dores internas.

Verifico que as mulheres têm necessidade de se UNIREM. Não contra isto ou aquilo, mas sentirem apenas a união entre as suas pares femininas. E isto é M A R A V I L H O S O!

Porém ao mesmo tempo percebo que muitas de nós mulheres, tão depressa somos solidárias como somos tão más umas para as outras.
Quando é que isso acontece?
Quando se fala de outra mulher nas suas costas, dizendo mal, ou criticando, ou apenas denegrindo a imagem da outra companheira de existência. Isto é a energia da malidecência, do dizer mal, só porque sim.
Talvez precisemos de aceitar que existe uma parte de nós que inveja a outra mulher de alguma forma, ou as suas roupas, ou o seu sucesso profissional/pessoal, ou porque é mais bonita, ou porque tem um companheiro giro... por N razões, rapidamente nos colocamos “contra” outra mulher nossa semelhante.

Precisamos estar mais conscientes destes processos mentais.
Estar atentas aos pensamentos que impelem para essas conversas maledicentes e sabermos que as palavras têm a força de “destruir” o outro ser.
Pensemos que se estivermos solidárias umas com as outras e nos entre-ajudarmos em todas as actividades, juntas seremos mais FORTES.
UNIDAS seremos mais femininas e mais equilibradas nos nossos vários arquétipos.

Então como agir quando discordamos de uma atitude de outra mulher, em vez de a criticarmos pelas costas?
Respostas:
      1. Podemos escolher encher o nosso coração de compaixão, de compreensão e pensar:
          “Se esta minha irmã de caminhada não está a agir bem é porque ela não sabe fazer melhor”.

  1. Podemos chamá-la em privado e perguntar porque fez isto ou aquilo, e sugerir que faça de outra forma para ser melhor. Apelar ao melhor da outra mulher, numa crítica construtiva.

  2. Podemos perdoar a outra mulher por nos ter magoado com alguma atitude, pensando que ela não tem consciência do quanto isso nos magoou tanto. Porque a compaixão desce quando nós percebemos que nem todos temos a mesma connsciência da vida, e que todos vimos para evoluir.

  3. Pensar que não nos cruzamos umas com as outras por acaso, mas sim porque podemos evoluir com esta colega, ou com aquela mulher, que está ao nosso lado numa situação qualquer.
AMEMO-NOS irmãs de caminhada. Ajudemo-nos umas às outras a evoluir.

                                         imagem de Nicholas Roerich:





Cristina Méga

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Sentir e decidir fazer o Caminho de Santiago de Compostela


Fazer uma peregrinação é sempre uma experiência que nos transforma seja qual for o motivo que nos move. Do (latim peregrinatio, -onis) ou per agros, “pelos campos” e pegando neste significado asseguro-te que das três vezes que fiz a peregrinação a Santiago de Compostela as imagens que mais retive foram exatamente os campos verdes pelos quais passei.
Em julho de 2012 foi a primeira vez que decidi fazer o Caminho Português a Santiago (dado que existem outros caminhos: francês, inglês, primitivo, etc..) [1]  e tudo aconteceu numa tarde em que eu o meu companheiro na altura, falávamos sobre o destino de férias e tudo apontava para irmos para o Gerês passar uns dias quando, de repente ele me diz: “Então, quem vai ao Gerês sobe mais um pouco e vai até Santiago! Bora?”. Respondi: “Bora!”. E assim partimos para a aventura. Nunca tinha feito uma peregrinação e uns dias depois vejo-me de mochila de 4 kgs às costas, sem qualquer preparação física mas uma vontade imensa de viver uma nova experiência.
Marco que marca a distância até Santiago
Deixámos o carro em Valença (norte de Portugal) onde pernoitámos e, pelas 5h da manhã iniciámos a caminhada para Tui (a 1ª província espanhola)
Tui
e assim foram 6 dias seguidos a pé em que conheci dores físicas que desconhecia, mas recordo-me com nostalgia da sensação de chegar pela primeira vez a Santiago. Sentir a energia e o pulsar daquele lugar místico e mágico. De fronte, uma catedral gigante e a descompressão total….Não contive as lágrimas…. 120kms depois de ter iniciado o caminho finalmente chegara ao destino. 

Neste caminho conheci portugueses de Arcos de Valdevez que já vinham de Ponte de Lima, um brasileiro de 74 anos que já fazia este Caminho há uns anos e cuja avó era portuguesa, e um casal – ela madrilena e ele austríaco – que se conheceram no caminho (largos anos antes) e que iam celebrar o matrimónio nesse ano.


Em agosto de 2017 fiz o Caminho (Valença-Santiago) novamente, desta feita, sozinha. Uma decisão que surgiu em maio desse ano, durante uma meditação. Os flashes do Caminho invadiam-me o olho da mente e num momento A-Ah! decidi que faria o caminho. Apenas receava sobre a minha condição física, dado que havia partido um tornozelo em 2014 e sentia alguma fragilidade óssea, porém, quando a fé e a confiança nos movem parece que nada nos pára. Comecei a fazer trekking quase semanalmente e sempre de mochila às costas para me habituar. Chegando a agosto, lá fui eu! Literalmente "pés ao Caminho"!
O meu objetivo, desta vez, era autoconhecimento e sentir que poderia desfrutar da minha própria companhia, que seria capaz de contar comigo mesma em qualquer situação. Confesso que emergem sempre alguns receios quando uma mulher decide percorrer sozinha um caminho desta natureza, e na verdade eu até tinha um medo especifico que vos confidencio – o medo de cães de grande porte!

- "E se me surge um daqueles canzarrões lá no meio dos campos e quintas, como faço?" Apenas disse a mim mesma – confia! (e pelo sim pelo não leva um bastão, just in case !). Lá comprei um bastão de caminhada para me auxiliar nas descidas e subidas e para me defender se algum cão me quisesse atacar. Antes de iniciar o Caminho visualizei algumas vezes o hipotético cenário, treinando a minha mente para que fosse um encontro suave e sem grandes alaridos. Imaginava que quando visse um cão grande só teria que respirar fundo e imaginar que ele era meigo, mais pequeno que o real e que eu era gigante ao pé dele. Convenci-me de que iria correr sempre tudo bem e na verdade cruzei-me com poucos cães, e os que conheci eram perfeitamente dóceis (como se pode ver na imagem ☺ ).
Cão amistoso :)

O que sugiro é que se decidires fazer uma peregrinação deste tipo começa hoje a praticar caminhadas regulares, começa hoje a planear os detalhes mas abrindo espaço à flexibilidade e imprevistos (que os há!) e consulta os vários sites [2] que te explicam como planeares toda a tua jornada.
O benefício de ter ido sozinha foi ter-me permitido a silenciar mais a mente, a observar de forma apurada tudo o que me rodeava, cada cor, cada cheiro, cada som….o caminho é de uma riqueza inigualável….




Recordo com felicidade a sensação de no final de cada etapa diária chegar ao albergue (quase sempre entre as 11h00 e as 12h30 dado que começava a caminhar às 6h00 da manhã), e  tomar um refrescante banho, ir ao supermercado Froiz comprar uma deliciosa salada César, e me recostar em algum local da vila ou cidade onde fosse pernoitar. 
Albergue de Padrón


Aquela sensação de: “não estou para ninguém…so para mim…uiiihs!!”. Sem horários! É uma coisa fantástica!
Poder enfiar os pés descalços nos fontanários com aquele sentimento de “posso fazer o que me apetece!” é muito gostoso…mesmo! De tarde aproveitava para meditar, ler e escrever. Comigo, levei sempre um caderno e uma caneta para ir fazendo as minhas reflexões. Durante esta peregrinação fiz amizade com 3 peregrinos portugueses, dois do Porto e uma peregrina do Alentejo - a minha família peregrina! 


Nunca mais nos largámos, foi tipo “autocolantes”. Vos garanto que amizades feitas no caminho perduram no tempo pois a própria circunstancia cria vivências e emoções intensas.

Por fim, em abril de 2018 voltei ao Caminho (Valença-Santiago) a convite de um amigo que me desafiou a fazê-lo em 3 dias! Fomos 4 pessoas e desta vez o meu foco era fazer a caminhada num curto espaço de tempo com a agravante de que tinha sido operada ao tornozelo em fevereiro mas senti que tinha de ir. Lá está, a vontade e o chamamento são como o herpes, uma vez hospedado o vírus no nosso corpo, nunca mais desaparece!







A experiência desta fez foi diferente dado que quando vamos num grupo que se conhece antes do caminho a dinâmica muda. Há que respeitar o tempo, o ritmo e as peculiaridades das pessoas com quem partilhamos a jornada. Existe como que um compromisso moral de “puxarmos” uns pelos outros e de chegarmos todos juntos ao nosso destino.
Fazer este percurso de 120 kms em 3 dias e meio (que foi o tempo que levámos) é desafiante. Entre pés inchados e joelho ligeiramente lesionado cheguei a Santiago de Compostela num dia que se encontrava chuvoso e frio mas com a sensação de missão cumprida.

Das duas vezes anteriores fiz o caminho no verão que tem a sua alegria e sabor a férias, contudo, o caminho na primavera apresenta uma beleza impar…as horas consecutivas a vislumbrar os bosques verdes e floridos permitiu-me estabelecer uma conexão especial com o todo e viver uma sensação de plenitude que só quem percorre esta jornada compreende a sua magia.

Em jeito de conclusão, aquilo que me apraz dizer-te é:

- Se sentes o chamado, vai!
- Cada vez é sempre diferente….
- Quando estou em peregrinação estou presente, nem me lembro do meu quotidiano;
- O Caminho é como uma metáfora à vida: por vezes quando queremos andar depressa demais sem contemplar o processo…deixamos morrer uma parte da experiência. O importante é o desfrutar de cada passo, de cada momento…
- A tua mochila é a tua casa durante a jornada.


Permite-te viver esta experiência e verás que não precisas de muito mais para além de uma mochila, saco-cama, água e uma enorme vontade de te conheceres.

Teresa Peral
teresaperalribeiro@gmail.com



[1] Existem muitos sites informativos mas este é considerado oficial: http://www.caminodesantiago.gal/pt/inicio
[2]Sites e vídeos de referência para te ajudar a saber mais sobre o caminho de Santiago de Compostela: 
Sites:
https://www.diariosdecompostela.com.br/ 
http://www.aej.pt/
https://umcaminhoparatodos.wordpress.com/2014/03/15/associacoes-do-caminho-de-santiago/
Videos: 
https://www.youtube.com/watch?v=lurQp4g703M
https://www.youtube.com/watch?v=1eHsf0zOxRo&index=1&t=0s&list=PLH_glOUCBvBeaXMxwZpAj9fJGGgOAw3Py
https://www.youtube.com/watch?v=6bqdrlLZQww&index=3&t=6s&list=PLH_glOUCBvBeaXMxwZpAj9fJGGgOAw3Py


quarta-feira, 2 de maio de 2018

Porque trabalhamos? - Ou como a vida profissional pode ter um propósito

O escritor francês Charles Péguy (1873-1914) partilhou em tempos a história de um homem que, numa das suas viagens, encontra três operários a partir pedra.
Curioso, aproxima-se de cada um deles e faz-lhes individualmente a mesma pergunta:
- Porque está a partir esta pedra?
O primeiro homem olhou o viajante e respondeu:
- Vivo miseravelmente. Faça chuva ou sol, tenho de partir esta pedra para ganhar alguns tostões.
Mais adiante, à mesma pergunta o segundo homem retribuiu:
- Faço este trabalho duro mas pelo menos tenho um trabalho. Consigo alimentar a minha família. Ando ao ar livre e vejo as pessoas que passam. Há quem esteja bem pior do que eu.
Finalmente, o terceiro homem, disse de forma humilde e sincera:
- Parto esta pedra, porque estou a construir uma Catedral.

Já te questionaste sobre as razões que te levam a levantar todos os dias para ir trabalhar?

Talvez o trabalho seja o único meio que te permite ganhar dinheiro. Ou, quem sabe, seja a melhor forma que encontraste para te manter ocupado e sentir que tens uma vida ativa. Pode ser que trabalhes porque gostas ou te dás bem com os colegas ou, até mesmo, porque o trabalho dá sentido à tua vida.

Por vezes sentimos que trabalhamos com um único objetivo, sendo este receber um salário ao final do mês. Quando assim é, é possível que não nos sintamos motivados para ir exercer diariamente a nossa função.

Perante esta condição, quase sempre o trabalho nos parece um fardo e ansiamos fervorosamente pela próxima folga, fim-de-semana ou período de férias. Deixamos que o trabalho seja apenas uma rotina que consiste em cumprir horários e tarefas. Não nos sentimos motivados ou energizados com o que fazemos e o trabalho é encarado como uma obrigação pesada e desgastante.

Desta forma, muitas pessoas anseiam por um trabalho que possa significar mais do que o somatório das tarefas que realizam, tantas vezes, de forma automática e desligada. Talvez sonhem com um trabalho no qual se possam expressar e ser valorizadas, realizado atividades verdadeiramente significativas e importantes. Quiçá pensem que existem profissões realmente significativas e que preenchem quem as exerce, como médico, investigador ou professor.

Contudo não é a profissão em si que pode conferir mais ou menos sentido ao que fazemos. Na verdade, somos nós, cada pessoa que trabalha, que pode realizar o seu trabalho de uma forma mais significativa, quando se disponibiliza para atribuir um significado positivo e um valor social àquilo que faz.


Michael Steger, é um dos autores que se tem dedicado ao estudo do sentido da vida ou da vivência de uma vida com propósito. Na sua investigação sobre os fatores que tornam um trabalho verdadeiramente significativo para cada pessoa, ele encontrou três aspetos determinantes:

1. Em primeiro lugar, o trabalho que fazemos deve fazer sentido. Isto implica que consigamos compreender a natureza das tarefas que nos são entregues, percebendo como são feitas. Este aspeto permite-nos identificar e ativar os recursos pessoais necessários para as realizar com qualidade.

2. Em segundo lugar, o trabalho que fazemos deve ter um objetivo definido. É importante que consigamos perceber em que medida, as tarefas que realizamos são determinantes para um objetivo maior ser atingido, no contexto da nossa equipa ou da empresa para a qual trabalhamos.

3. Finalmente, o trabalho que fazemos deve beneficiar um bem maior. Se formos capazes de ver como o nosso trabalho ajuda os outros, sejam eles os nossos colegas, clientes, a sociedade em geral ou até o meio ambiente, sentimos que o nosso contributo tem mais valor e que a nossa função é realmente importante.

Steger refere que as pessoas que encaram o seu trabalho, como um trabalho significativo, são tendencialmente mais felizes, mais comprometidas com o que fazem e até mais produtivas.

Algumas pessoas têm já a capacidade de levar o seu sentido de missão para o trabalho e é-lhes mais fácil reconhecer que trabalham por uma causa, sentindo-se normalmente mais motivadas para realizar as suas tarefas com empenho e brio. Lembra-te que podes ser um construtor da Catedral, quando decides que fazes parte de um objetivo maior ao serviço de outros.

Daniela Toscano
danielalourotoscano@gmail.com