quinta-feira, 30 de maio de 2019

Aceita-me como sou

“Os vossos filhos
não são vossos filhos:
são filhos e filhas do chamamento da própria Vida.

Vêm por vosso meio
mas não de vós;
e, apesar de estarem convosco,
não vos pertencem.

Podeis dar-lhes o vosso amor
mas não os vossos pensamentos:
porque eles têm pensamentos próprios.

Podeis acolher os seus corpos
mas não as suas almas:
porque as suas almas
habitam a casa de amanhã,
que não podeis visitar
nem sequer em sonhos.

Podeis esforçar-vos por ser como eles;
mas não tenteis fazê-los como vós.
Porque a vida não vai para trás,
nem se detém com o ontem.

Sois os arcos, e os vossos filhos
as setas vivas projetadas.

O Arqueiro vê o alvo no caminho do infinito,
e retesa-vos com o seu poder
para que as setas
possam voar depressa para longe.

Que a vossa tensão na mão do Arqueiro
seja de alegria.

Porque assim como Ele gosta
da seta que voa,
também gosta do arco que fica.”

de Khalil in “O Profeta”


Photo by Priscilla Du Preez on Unsplash

Hoje partilho convosco este texto que reflete algo em que acredito profundamente: a nossa relação com os nossos filhos existe para o nosso próprio crescimento e para o crescimento dos nossos filhos.

Não tive na minha vida experiência mais transformadora do que ser mãe, um convite constante ao meu auto-conhecimento, ao reconhecimento das minhas emoções (muitas delas relacionadas com a minha própria infância), das minhas necessidades, dos meus limites pessoais. Esta transformação é essencial se queremos praticar uma parentalidade consciente. Os filhos vêm ajudar-nos a regressar à essência e a transcender as limitações da nossa própria mente, levam-nos a contactar com o nosso  passado emocional e vêm ajudar-nos a ter noção do quanto ainda nos falta crescer. 

Para praticar parentalidade consciente não procuramos respostas fora da relação parental, confiamos que todas as respostas se encontram na relação e na dinâmica entre pais e filhos. Neste caminho, é importante que nós, enquanto pais, aceitemos os nossos filhos, tal como são com o direito de ser quem são, de se exprimirem e de expressarem aquilo que sentem sem precisarem da nossa aprovação. Para que cresçam com um forte sentido de valorização pessoal, que sintam que a pessoa que são, a sua essência única merece ser celebrada. 

A parentalidade consciente é portanto muito mais sobre desaprender do que sobre aprender. É como um regresso a casa, um (re)conectar com a nossa sabedoria e competências inatas. Citando as palavras de Jon Kabat-Zinn: 


“As crianças personificam o que de melhor há na vida. Vivem no momento presente. Fazem parte do seu extraordinário florescer. São pura potencialidade, simbolizando vitalidade, emergência, renovação e esperança. São puramente aquilo que são. E partilham essa natureza vital connosco e ativam-na em nós também, se escutarmos atentamente o seu chamamento.”

As crianças que crescem a sentir-se aceites, reconhecidas e valorizadas por serem quem são (e não pelo que fazem) tornam-se adultos com uma autoestima mais forte, mais confiantes da sua própria sabedoria interior, maior capacidade para lidar com as suas emoções, para satisfazer as suas necessidades e comunicar os seus limites. Não ficam dependentes da expectativa nem da aprovação dos outros para encontrarem e seguirem os seus próprios caminhos, sabendo que quaisquer que sejam as suas escolhas e os seus resultados, são sempre merecedores de todo o amor do mundo.

Aceitar os filhos por aquilo que são não quer dizer passividade nem significa que vamos permitir comportamentos que se podem revelar perigosos ou destrutivos sem intervir. Significa que aceitamos o ser dos nossos filhos e a situação tal como é e agimos em conformidade (deixando que seja a nossa consciência a revelar-nos o que é mais importante nesse momento, e de acordo com as nossas intenção enquanto pais).

A nossa capacidade aceitar os nossos filhos está diretamente relacionada com a capacidade de nos aceitarmos a nós próprios na nossa imperfeição. Na parentalidade consciente não ajuda a abordagem tudo ou nada e é importante recordarmo-nos que é um caminho que não acontece de um dia para o outro, é uma forma de estar na vida! Partilho convosco algumas das minhas intenções em que procuro aceitar-me a mim mesma (e nem sempre consigo), inspiradas no livro Pais Conscientes da Shefali Tsabary: 

  • Aceito a minha individualidade antes de ser mãe
  • Aceito que tenho limitações, falhas e defeitos
  • Aceito que não sei tudo, que cada momento é uma nova aprendizagem
  • Aceito que às vezes meto os pés pelas mãos e me atrapalho
  • Aceito que tenho dificuldade em admitir as minhas falhas
  • Aceito o meu ego e a minha vontade de controlar
  • Aceito os meus sentimentos de insuficiência e a necessidade de ser reconhecida
  • Aceito que por vezes estou tão cansada que perco o discernimento
  • Aceito que a minha intenção e o meu esforço são suficientes

A aceitação é fundamental para termos mais escolha, a consciência de que vamos sempre a tempo de nos conhecermos melhor (a nossa luz e a nossa sombra) e dá-nos a cada momento a possibilidade de fazer diferente e mudar o que queremos mudar.

Photo by James Wheeler on Unsplash

Observo que muitos de nós, crianças e adultos, vivemos com a sensação de não sermos aceites por quem somos, de que de alguma forma não correspondemos às expectativas, não estamos à altura ou temos medo de desiludir. Acredito que se nos aceitássemos mais uns aos outros e se mostrassemos mais curiosidade pelo mundo interior do outro, em vez de julgar e emitir juízos de valor, muita coisa mudaria, provavelmente seríamos todos mais felizes, autênticos e livres para ser quem somos. Não significa que vamos gostar ou concordar com tudo mas que temos o mesmo valor e somos respeitados, amados e aceites por quem somos, na nossa diferença e essência única. Não necessitamos de validação ou aprovação, porque a encontramos internamente e ela é reconhecida por quem nos vê, ouve e sente, tal como somos.

Esta é a magia de partilhar este caminho e este convite dos nossos filhos, como parceiros na nossa evolução conjunta, no regresso à “nossa casa”. Termino este texto com mais uma citação do Jon Kabat-Zinn que considero que traduz a ideia que vos quero deixar.


“Quando um filho, independentemente da idade, sente a nossa aceitação, quando sente o nosso amor, não apenas pelo seu ser atraente, agradável e de fácil convivência, mas também quando é difícil, desagradável e exasperante, isso pode libertá-lo e permitir-lhe que seja mais equilibrado e íntegro. Os filhos são capazes de enfrentar todo o género de dificuldades e desafios se puderem regressar ao poço do nosso amor incondicional. Pois é no reconhecimento e na nossa aceitação deles que o desenvolvimento e o restabelecimento interno ocorrem.” 

Cristina Batalha
Coach & Facilitadora de Parentalidade Consciente
cristinabatalha@gmail.com

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