quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Desapego: o mantra da moda


Está muito na moda o “aprender a soltar”, mas esquecemo-nos do sustentar, reparar, cuidar, amar e do não sair fugindo quando tudo se complica.

Li esta frase há poucos dias. Estava atribuída a Fer Herrera. Desconheço a autora, se tem ou não visibilidade, mas isso torna-se secundário perante a atenção que as palavras que escreveu me pediram.

Considero a prática do aprender a soltar ou desapego merecedora de muito respeito e reverencio quem a integra na vida de acordo com o seu significado original e profundo. As dificuldades que muitas vezes temos para soltar sem sentir vazio ou insegurança alertam-nos para possíveis lacunas emocionais internas que podemos não estar a acolher ou tratar em amor. 

A frase de Fer coloca-nos frente a uma crença social que se generalizou e que promete que o desapego resolve todos os nossos conflitos e problemas, bastando aprender a soltar para viver em paz e felicidade. 

Contudo, longe de ser uma habilidade simples, o desapego pede um estado de mente e de alma que a maior parte da literatura de autoajuda não nos ensina. Às vezes a necessidade de buscar soluções rápidas e imediatas conduzem-nos a associações entre desapego e distanciamento, falta de interesse ou até mesmo à ausência de mergulhos emocionais para estar frente àquilo que verdadeiramente sentimos em situações de “apego”. 



Este artigo não tem como objetivo apresentar uma definição ou teoria sobre o desapego. Ele é apenas um convite à reflexão, sugerindo-te que consideres as situações que sentes que precisas de soltar e que te coloques as seguintes questões:

O que significa esta vontade de me querer afastar? Quero fugir do que estou a sentir ou simplesmente não sinto que consiga sustentar, reparar, cuidar ou amar nesta situação? 

Sinto-me completo/a quando me afasto da situação, relação ou objeto aos quais me sinto apegado/a, ou a sensação de vazio permanece quando me distancio? Encontro paz dentro de mim ou continuo a ir buscar elementos fora de mim que me nutram e sustentem, depois de largar aquilo que me incomodava? 

Algumas vezes a nossa vontade de afastamento esconde bem lá no fundo o medo da entrega ao sentir, ao baixar a guarda e aceder ao nosso lado mais frágil e vulnerável, despindo as máscaras, perante situações incómodas.


Por outro lado quando estamos disponíveis para sustentar, reparar, cuidar e amar, alcançamos também maior capacidade para identificar o impacto real que situações, relações ou objetos têm em nós. Estas ações não são inimigas do “aprender a soltar”. Quando as praticamos, connosco e com os demais, elas podem mesmo ajudar-nos a perceber com maior clareza se cada desafio já cumpriu o seu papel e nos ajudou a crescer e evoluir, tendo chegado a hora de o deixar ir. Ou, se apesar de ainda nos gerar emoções desconfortáveis, continua a ter algo para nos ensinar e é importante que contactemos um pouco mais com a situação para fazer o trabalho que ela nos está a pedir.

Talvez o verdadeiro significado de soltar seja deixar partir as resistências que nos impedem de contactar com a luz interior, nutrindo-nos com cuidado e amor. E à medida que atravessamos os desafios, permitindo-nos ficar, observar e conectar com as feridas ainda por curar, abrir caminho lado-a-lado com os medos e conversar frente-a-frente com a vontade de fugir para a distinguir, em consciência, da necessidade de desapego.

Daniela Toscano
danielalourotoscano@gmail.com


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