quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Reduzir

Vivemos rodeados de objectos, de móveis, de equipamentos electrónicos, de roupa, de tralha. Tralha que nos vendem como indispensável, como a última novidade, como o segredo para a felicidade. São equipamentos informáticos que ficam desactualizados a partir do momento em que os compramos, são as épocas de saldo (quatro por ano) que nos impulsionam a comprar roupa que nunca vestimos, é a publicidade que nos entra pelo cérebro adentro de todas as formas possíveis e imaginárias, e agora publicidade dirigida, através dos nossos perfis sociais públicos, impulsos vários para consumir coisas de que não precisamos e nos fazem viver rodeados de excesso e desperdício.

Fecho os olhos e respiro fundo, recuo três décadas, e estou em casa dos meus avós, onde passei muitos meses de férias numa casa onde existia muito menos e onde me senti sempre deliciosamente bem. Onde abundava aquilo que verdadeiramente faz falta. Espaços simples e arrumados, espíritos leves e felizes, visitas diárias de amigos, sorrisos, muitos sorrisos e uma mesa sempre posta, que convidava a sentar e ficar! Onde não me recordo de ver coisas que não eram utilizadas, tudo, absolutamente, tinha um propósito. A roupa de ambos cabia num só roupeiro bem mais pequenino do que os que utilizamos actualmente, o armário da casa de banho era minúsculo e continha todos os produtos de higiene necessários, o frigorífico onde nada se acumulava e onde a comida nunca se estragava. Podia continuar num rosário de exemplos …



Na última década confrontei-me com o meu próprio excesso e consumo desnecessário e acumulação de coisas que não me serviam absolutamente para nada. Coisas que enchiam gavetas, móveis, roupeiro e até o armário da casa de banho estava a rebentar pelas costuras, parecia servir uma turma de 30 pessoas. No fundo tentava preencher a alma, sem sucesso claro, ela não gosta de tralha, muito menos daquela inútil. Mas isso tenho vindo a descobrir devagar. Desde miúda que as casas me fascinam e adoro decoração e mudanças, não sei dizer quantas vezes mudei a casa dos meus pais enquanto vivi com eles e mais tarde a minha própria casa. Há uma frase famosa de Coco Chanel: "A woman who changes her hair is about to change her life", isto é, "uma mulher que muda o cabelo está prestes a mudar a sua vida", no meu caso acontece com os móveis, camas, mesas e sofás.

É incrível a quantidade de tralha da qual nos rodeamos que não serve absolutamente para nada, a não ser para nos dar trabalho a manter e limpar. Ou porque achamos que um dia podemos precisar, ou porque nos deram e temos pena de nos desfazer, ou porque pagámos caro e agora não sabemos despedir-nos, enfim uma lista infinita de motivos que nos leva a acumular, guardar e manter coisas que não só não nos fazem falta como nos causam prejuízo. Viver num espaço desorganizado, confuso e cheio torna-nos desorganizados, confusos e cheios e vice-versa, estados de espírito confusos tornam os ambientes confusos. De forma muito subtil esta tralha inútil afecta a nossa qualidade de vida.

Reduzi drasticamente a tralha lá de casa. Vendi candeeiros e móveis, dei roupa e objectos de decoração a amigos e instituições, mandei fora papéis, facturas, contractos, manuais de instruções e revistas que nunca mais iria utilizar. Só não consegui abrir mão dos livros, esses são património sagrado. Despachei tudo aquilo que não me dava alegria ou satisfação. A minha casa e a minha vida ficaram muito mais simples e bonitas. Ficaram as peças que adoro e utilizá-las é agora não só mais frequente como muito mais prazeroso. Vestir-me de manhã deixou de ser um pesadelo, no meu roupeiro só estão peças que adoro e consigo ver todas!

De forma mágica tenho vindo a descobrir aquilo de que realmente gosto e que faz sentido para mim. Faço escolhas muito mais ponderadas e sensatas antes de uma compra. Agora, comprar é um acto certeiro, cirúrgico e muito menos frequente. Viver com menos aumenta e enriquece o espaço e o tempo para fazer as coisas que verdadeiramente nos satisfazem!


PS – Deixar ir aquilo que não nos serve e não nos satisfaz não é desperdício. Desperdício é manter-nos presos a coisas que nunca iremos utilizar.

Rita Carreto
ritatoscanocarreto@gmail.com


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