Vivemos rodeados de objectos, de móveis,
de equipamentos electrónicos, de roupa, de tralha. Tralha que nos vendem como
indispensável, como a última novidade, como o segredo para a felicidade. São
equipamentos informáticos que ficam desactualizados a partir do momento em que
os compramos, são as épocas de saldo (quatro por ano) que nos impulsionam a
comprar roupa que nunca vestimos, é a publicidade que nos entra pelo cérebro adentro
de todas as formas possíveis e imaginárias, e agora publicidade dirigida,
através dos nossos perfis sociais públicos, impulsos vários para consumir
coisas de que não precisamos e nos fazem viver rodeados de excesso e
desperdício.
Fecho os olhos e respiro fundo,
recuo três décadas, e estou em casa dos meus avós, onde passei muitos meses de
férias numa casa onde existia muito menos e onde me senti sempre deliciosamente
bem. Onde abundava aquilo que verdadeiramente faz falta. Espaços simples e
arrumados, espíritos leves e felizes, visitas diárias de amigos, sorrisos,
muitos sorrisos e uma mesa sempre posta, que convidava a sentar e ficar! Onde
não me recordo de ver coisas que não eram utilizadas, tudo, absolutamente,
tinha um propósito. A roupa de ambos cabia num só roupeiro bem mais pequenino
do que os que utilizamos actualmente, o armário da casa de banho era minúsculo
e continha todos os produtos de higiene necessários, o frigorífico onde nada se
acumulava e onde a comida nunca se estragava. Podia continuar num rosário de
exemplos …
Na última década confrontei-me com
o meu próprio excesso e consumo desnecessário e acumulação de coisas que não me
serviam absolutamente para nada. Coisas que enchiam gavetas, móveis, roupeiro e
até o armário da casa de banho estava a rebentar pelas costuras, parecia servir
uma turma de 30 pessoas. No fundo tentava preencher a alma, sem sucesso
claro, ela não gosta de tralha, muito menos daquela inútil. Mas isso tenho vindo
a descobrir devagar. Desde miúda que as casas me fascinam e adoro decoração e
mudanças, não sei dizer quantas vezes mudei a casa dos meus pais enquanto vivi
com eles e mais tarde a minha própria casa. Há uma frase famosa de Coco Chanel:
"A woman who changes her
hair is about to change her life", isto é, "uma mulher que muda o cabelo está prestes a
mudar a sua vida", no meu caso acontece com os móveis, camas, mesas e
sofás.
É incrível a quantidade de tralha
da qual nos rodeamos que não serve absolutamente para nada, a não ser para nos
dar trabalho a manter e limpar. Ou porque achamos que um dia podemos precisar,
ou porque nos deram e temos pena de nos desfazer, ou porque pagámos caro e
agora não sabemos despedir-nos, enfim uma lista infinita de motivos que nos
leva a acumular, guardar e manter coisas que não só não nos fazem falta como
nos causam prejuízo. Viver num espaço desorganizado, confuso e cheio torna-nos
desorganizados, confusos e cheios e vice-versa, estados de espírito confusos tornam
os ambientes confusos. De forma muito subtil esta tralha inútil afecta a nossa
qualidade de vida.
Reduzi drasticamente a tralha lá de
casa. Vendi candeeiros e móveis, dei roupa e objectos de decoração a amigos e
instituições, mandei fora papéis, facturas, contractos, manuais de instruções e
revistas que nunca mais iria utilizar. Só não consegui abrir mão dos livros,
esses são património sagrado. Despachei tudo aquilo que não me dava alegria ou
satisfação. A minha casa e a minha vida ficaram muito mais simples e bonitas. Ficaram
as peças que adoro e utilizá-las é agora não só mais frequente como muito mais prazeroso.
Vestir-me de manhã deixou de ser um pesadelo, no meu roupeiro só estão peças
que adoro e consigo ver todas!
De forma mágica tenho vindo a descobrir
aquilo de que realmente gosto e que faz sentido para mim. Faço escolhas muito
mais ponderadas e sensatas antes de uma compra. Agora, comprar é um acto
certeiro, cirúrgico e muito menos frequente. Viver com menos aumenta e
enriquece o espaço e o tempo para fazer as coisas que verdadeiramente nos
satisfazem!
PS – Deixar ir aquilo que não nos
serve e não nos satisfaz não é desperdício. Desperdício é manter-nos presos a coisas que nunca iremos utilizar.
Rita Carreto
ritatoscanocarreto@gmail.com
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