
Todos nós já convivemos com a morte, de um familiar longínquo, de um animal de estimação e conhecemos a dor profunda da ausência, mas quando o familiar que parte é próximo a nós, como avós, pais, irmãos e filhos a dor chega como se nos arrancassem um braço ou uma perna.
Escrevo hoje sobre este tema porque me deparei com uma
imagem que falava sobre como acordamos da dor, dividindo os vários estágios por
onde passamos. Tenho atravessado este caminho lentamente desde a morte do meu
pai há menos de um ano, mas achei que talvez pudesse ajudar alguém com esta
partilha. A mim fez-me sentido,poderá ou não fazer a quem lê.
Quando fui apanhada de surpresa, no fim de fevereiro de
2018, com a doença terminal do meu pai, um nódulo no pâncreas, não operável e
de nível IV soube automaticamente em 99% que não lhe restaria muito tempo.
Entrei em negação, aquela reação normal que tende a racionalizar as emoções
difíceis, de dor, do choque emocional do medo da perda, um mecanismo que hoje
sei ser natural e defensivo, que de certa forma nos protege do embate doloroso
que acabamos de experienciar.
Vivi em negação até à véspera da partida do meu pai, para a
longa viagem sem retorno (pelo menos que tenhamos conhecimento) a 8 de junho.
Acho que continuei em negação algum tempo ainda, sentia uma dormência que nem
sequer me deixava raciocinar.
Em breve chegava a raiva, com todas as sensações e os
efeitos que a negação trouxe consigo, meses a fio, e chegava sem filtro, sem
controle, sem qualquer tipo de máscara. Surgiu pouco mais de um mês depois, a
falta de paciência e irritabilidade com a própria existência, ou a
insustentabilidade de existir. Procurava na solidão resposta, parti loiça,
gritei com a minha mãe, irmã, filha, deixei o emprego. Não aguentava ninguém,
literalmente.
Depois do primeiro e segundo estádios, o segundo que ainda
me ocupou um ou dois meses chegavam as questões, porque é que isto aconteceu, e
se não tivesse acontecido e se as coisas tivessem sido de outra forma, e se o
meu pai tivesse ido mais cedo ao médico e tivesse feito mais exames, será que tudo
tinha sido diferente?
O que mais doeu nesta terceira fase foi a ausência de
respostas a todas as minhas questões, sendo que a dor continuava e eu era
obrigada a continuar a viver a realidade, ajustar-me ao momento, encontrar
conforto ao imaginar que ele me ouvia, ajustar a minha realidade à ficção que
me ajudava a levar um dia de cada vez.
As noites mal dormidas, o choro e a angústia levaram-me a
procurar ajuda médica pois mal conseguia comer, não tinha motivação para nada,
nem muito menos paciência para sair da minha bolha. Queria estar apenas em
casa. Depressão reativa, foi desta forma que catalogaram a minha dor…e até hoje
ainda a trato, mas parece-me que começo a acordar e a chegar àquela que dizem
ser a última e derradeira fase de lidar com a perda e a dor, a aceitação.
Ainda não passou um ano mas já se passou um Natal,
aniversários, uma Páscoa, tudo momentos em que olho para uma cadeira vazia com muita
saudade. Já me rio de piadas, e vejo em mim o meu pai, não só porque sou
fisicamente parecida com ele, mas também porque replico as suas piadas, as suas
palavras e o vejo por vezes onde ele já não está. Se já aceitei tudo, já, mas
ainda tenho momentos de negação, de dor, de dúvida e de achar que chego a casa
dele e o vou encontrar a jogar sopas de letras, a ver séries e a fazer puzzles,
deitado no chão, com as netas que ele tanto amava.
Saudades muitas e passei a viver um dia de cada vez, e se
possível sempre em Amor, porque no momento da partida sei que há sempre algo
que fica por dizer, por isso, quanto menos ficar melhor.
Em amor
Com Alma Corpo e Mente
Sofia Rijo
sofia.rijo@gmail.com
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