quarta-feira, 16 de maio de 2018

Sentir e decidir fazer o Caminho de Santiago de Compostela


Fazer uma peregrinação é sempre uma experiência que nos transforma seja qual for o motivo que nos move. Do (latim peregrinatio, -onis) ou per agros, “pelos campos” e pegando neste significado asseguro-te que das três vezes que fiz a peregrinação a Santiago de Compostela as imagens que mais retive foram exatamente os campos verdes pelos quais passei.
Em julho de 2012 foi a primeira vez que decidi fazer o Caminho Português a Santiago (dado que existem outros caminhos: francês, inglês, primitivo, etc..) [1]  e tudo aconteceu numa tarde em que eu o meu companheiro na altura, falávamos sobre o destino de férias e tudo apontava para irmos para o Gerês passar uns dias quando, de repente ele me diz: “Então, quem vai ao Gerês sobe mais um pouco e vai até Santiago! Bora?”. Respondi: “Bora!”. E assim partimos para a aventura. Nunca tinha feito uma peregrinação e uns dias depois vejo-me de mochila de 4 kgs às costas, sem qualquer preparação física mas uma vontade imensa de viver uma nova experiência.
Marco que marca a distância até Santiago
Deixámos o carro em Valença (norte de Portugal) onde pernoitámos e, pelas 5h da manhã iniciámos a caminhada para Tui (a 1ª província espanhola)
Tui
e assim foram 6 dias seguidos a pé em que conheci dores físicas que desconhecia, mas recordo-me com nostalgia da sensação de chegar pela primeira vez a Santiago. Sentir a energia e o pulsar daquele lugar místico e mágico. De fronte, uma catedral gigante e a descompressão total….Não contive as lágrimas…. 120kms depois de ter iniciado o caminho finalmente chegara ao destino. 

Neste caminho conheci portugueses de Arcos de Valdevez que já vinham de Ponte de Lima, um brasileiro de 74 anos que já fazia este Caminho há uns anos e cuja avó era portuguesa, e um casal – ela madrilena e ele austríaco – que se conheceram no caminho (largos anos antes) e que iam celebrar o matrimónio nesse ano.


Em agosto de 2017 fiz o Caminho (Valença-Santiago) novamente, desta feita, sozinha. Uma decisão que surgiu em maio desse ano, durante uma meditação. Os flashes do Caminho invadiam-me o olho da mente e num momento A-Ah! decidi que faria o caminho. Apenas receava sobre a minha condição física, dado que havia partido um tornozelo em 2014 e sentia alguma fragilidade óssea, porém, quando a fé e a confiança nos movem parece que nada nos pára. Comecei a fazer trekking quase semanalmente e sempre de mochila às costas para me habituar. Chegando a agosto, lá fui eu! Literalmente "pés ao Caminho"!
O meu objetivo, desta vez, era autoconhecimento e sentir que poderia desfrutar da minha própria companhia, que seria capaz de contar comigo mesma em qualquer situação. Confesso que emergem sempre alguns receios quando uma mulher decide percorrer sozinha um caminho desta natureza, e na verdade eu até tinha um medo especifico que vos confidencio – o medo de cães de grande porte!

- "E se me surge um daqueles canzarrões lá no meio dos campos e quintas, como faço?" Apenas disse a mim mesma – confia! (e pelo sim pelo não leva um bastão, just in case !). Lá comprei um bastão de caminhada para me auxiliar nas descidas e subidas e para me defender se algum cão me quisesse atacar. Antes de iniciar o Caminho visualizei algumas vezes o hipotético cenário, treinando a minha mente para que fosse um encontro suave e sem grandes alaridos. Imaginava que quando visse um cão grande só teria que respirar fundo e imaginar que ele era meigo, mais pequeno que o real e que eu era gigante ao pé dele. Convenci-me de que iria correr sempre tudo bem e na verdade cruzei-me com poucos cães, e os que conheci eram perfeitamente dóceis (como se pode ver na imagem ☺ ).
Cão amistoso :)

O que sugiro é que se decidires fazer uma peregrinação deste tipo começa hoje a praticar caminhadas regulares, começa hoje a planear os detalhes mas abrindo espaço à flexibilidade e imprevistos (que os há!) e consulta os vários sites [2] que te explicam como planeares toda a tua jornada.
O benefício de ter ido sozinha foi ter-me permitido a silenciar mais a mente, a observar de forma apurada tudo o que me rodeava, cada cor, cada cheiro, cada som….o caminho é de uma riqueza inigualável….




Recordo com felicidade a sensação de no final de cada etapa diária chegar ao albergue (quase sempre entre as 11h00 e as 12h30 dado que começava a caminhar às 6h00 da manhã), e  tomar um refrescante banho, ir ao supermercado Froiz comprar uma deliciosa salada César, e me recostar em algum local da vila ou cidade onde fosse pernoitar. 
Albergue de Padrón


Aquela sensação de: “não estou para ninguém…so para mim…uiiihs!!”. Sem horários! É uma coisa fantástica!
Poder enfiar os pés descalços nos fontanários com aquele sentimento de “posso fazer o que me apetece!” é muito gostoso…mesmo! De tarde aproveitava para meditar, ler e escrever. Comigo, levei sempre um caderno e uma caneta para ir fazendo as minhas reflexões. Durante esta peregrinação fiz amizade com 3 peregrinos portugueses, dois do Porto e uma peregrina do Alentejo - a minha família peregrina! 


Nunca mais nos largámos, foi tipo “autocolantes”. Vos garanto que amizades feitas no caminho perduram no tempo pois a própria circunstancia cria vivências e emoções intensas.

Por fim, em abril de 2018 voltei ao Caminho (Valença-Santiago) a convite de um amigo que me desafiou a fazê-lo em 3 dias! Fomos 4 pessoas e desta vez o meu foco era fazer a caminhada num curto espaço de tempo com a agravante de que tinha sido operada ao tornozelo em fevereiro mas senti que tinha de ir. Lá está, a vontade e o chamamento são como o herpes, uma vez hospedado o vírus no nosso corpo, nunca mais desaparece!







A experiência desta fez foi diferente dado que quando vamos num grupo que se conhece antes do caminho a dinâmica muda. Há que respeitar o tempo, o ritmo e as peculiaridades das pessoas com quem partilhamos a jornada. Existe como que um compromisso moral de “puxarmos” uns pelos outros e de chegarmos todos juntos ao nosso destino.
Fazer este percurso de 120 kms em 3 dias e meio (que foi o tempo que levámos) é desafiante. Entre pés inchados e joelho ligeiramente lesionado cheguei a Santiago de Compostela num dia que se encontrava chuvoso e frio mas com a sensação de missão cumprida.

Das duas vezes anteriores fiz o caminho no verão que tem a sua alegria e sabor a férias, contudo, o caminho na primavera apresenta uma beleza impar…as horas consecutivas a vislumbrar os bosques verdes e floridos permitiu-me estabelecer uma conexão especial com o todo e viver uma sensação de plenitude que só quem percorre esta jornada compreende a sua magia.

Em jeito de conclusão, aquilo que me apraz dizer-te é:

- Se sentes o chamado, vai!
- Cada vez é sempre diferente….
- Quando estou em peregrinação estou presente, nem me lembro do meu quotidiano;
- O Caminho é como uma metáfora à vida: por vezes quando queremos andar depressa demais sem contemplar o processo…deixamos morrer uma parte da experiência. O importante é o desfrutar de cada passo, de cada momento…
- A tua mochila é a tua casa durante a jornada.


Permite-te viver esta experiência e verás que não precisas de muito mais para além de uma mochila, saco-cama, água e uma enorme vontade de te conheceres.

Teresa Peral
teresaperalribeiro@gmail.com



[1] Existem muitos sites informativos mas este é considerado oficial: http://www.caminodesantiago.gal/pt/inicio
[2]Sites e vídeos de referência para te ajudar a saber mais sobre o caminho de Santiago de Compostela: 
Sites:
https://www.diariosdecompostela.com.br/ 
http://www.aej.pt/
https://umcaminhoparatodos.wordpress.com/2014/03/15/associacoes-do-caminho-de-santiago/
Videos: 
https://www.youtube.com/watch?v=lurQp4g703M
https://www.youtube.com/watch?v=1eHsf0zOxRo&index=1&t=0s&list=PLH_glOUCBvBeaXMxwZpAj9fJGGgOAw3Py
https://www.youtube.com/watch?v=6bqdrlLZQww&index=3&t=6s&list=PLH_glOUCBvBeaXMxwZpAj9fJGGgOAw3Py


1 comentário:

  1. Olá Teresa!

    Muito legal o teu blog! Parabéns pelo conteúdo!

    Tenho um blog que criei com o intuito de ajudar peregrinos com informações e dicas sobre o Caminho de Santiago.

    Gostaria de indicá-lo, se você achá-lo interessante, para você incluir na lista de blogs indicados nesse post.

    Um abraço e obrigado!

    Claudio Pacheco

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